Psicanálise da Feminilidade

MELANIE KLEIN
Out.1973   Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre

Coordenador: Dr. Mário Martins.
Contribuição dos Autores Norteamericanos: Drs. Germano Volmer Filho e Dr. Romualdo Romanowski.
Outros Autores: Dr. Moises Roitman.

Escola Vienense e Inglesa – Suas Diferenças:
Dr. Sérgio Paulo Annes. 

Escola Vienense:

Segundo a primeira abordagem da vida sexual infantil, sob o ponto de vista Psicanalítico, feita por Freud (1905) em “Três Ensaios Sobre A Teoria Da Sexualidade”, a menina evolui até a fase fálica sem diferença alguma do menino. Nesta fase ela tem centralizado no clitóris seu narcisismo e sua excitação sexual e suas fantasias masturbatórias estão dirigidas ao pai o que provocaria o conflito com a mãe. Ao ver os genitais masculinos, em geral de seus companheiros de brincadeiras, a reação da menina é de violenta inveja, sente-se inferiorizada e alimenta a esperança de que, com o tempo, seu clitóris se transforme num pênis. Assim tem início o que Freud chamou “complexo de masculinidade”. Ocorre também que a menina imagina Ter tido um pênis e te-lo perdido devido a seus brinquedos sexuais. Para ela, as mulheres, principalmente as que lhe pareçam importantes, como a sua mãe, por exemplo, têm pênis. Assim, enquanto o menino teme a castração como castigo e para evita-la, renuncia à mãe como objeto sexual e a masturbação, a menina crê já ter sido castrada, faltando assim um motivo importante para renunciar ao incesto e formar sua consciência moral, seu super-ego. Daí deduzir Freud que a mulher tem menos qualidades morais que o homem. Após essas vicissitudes fica a menina ligada ao pai à espera do pênis desejado. Este desejo é pouco a pouco substituído pelo de receber, do pai, um filho. Gradativamente vai se desiludindo do pai e dele se afastando em busca de outro objeto.

Em 1920, ao estudar a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina, atribui Freud esta conduta a uma identificação da paciente com o objeto perdido, o pai, ao mesmo tempo que um desejo de se vingar o que levou-a inclusive a tentar o suicídio. Neste trabalho Freud chama a atenção para o fato de que, na homossexualidade, a paciente teria sempre, de início, uma pronunciada fixação no genitor do sexo oposto.

Em 1924, em “O Problema Econômico del Masoquismo”, alem do que já escrevera em trabalhos anteriores, diz que a menina tem fantasias de ser castrada e de suportar um coito sádico com o pai. A dor sempre faz parte destas fantasias e, para Freud, o masoquismo é um fenômeno biológico.

Em “Algunas Conseqüências Psiquicas De La Diferencia Anatomica De Los Sexos”, escrito em 1925, Freud vê a mulher mais inclinada aos ciumes do que o homem, devido a sua inferioridade por não possuir o pênis. Esta falta seria também a responsável pela maior dificuldade em admitir a masturbação.

Em 1931, “Sobre La Sexualidad Feminina” , Freud se atem na dificuldade em definir “masculino” e “feminino” no plano psicológico. Não aceita  “ativo” e “passivo” como designação de masculino e feminino, respectivamente. Já que, a mulher, como mãe, frente aos filhos, denota grande atividade e mesmo, pela impossibilidade de elucidar até que ponto a “passividade” feminina é inata ou produto cultural.

Agora já põe em dúvida sua afirmação anterior quanto ao masoquismo como característica feminina pôr constata-la nos homens também.

Afirma que a fixação libidinosa da menina no pai é uma repetição de uma situação anterior, e de igual intensidade, com a mãe, durante a primeira infância.

Diz que a mulher, na sua evolução, terá que abandonar a mãe pelo pai, deslocar a maior parte de sua excitabilidade  do clitóris para a vagina e transformar seus fins sexuais ativos em passivos. Afirma que de uma adequada identificação com sua mãe, se esta foi boa, dependerá sua bondade como mãe e esposa.

Neste trabalho, pela primeira vez, se refere a fantasias, da menina, de fecundar e ser fecundada pela mãe, de dar-lhe e receber dela um filho.

Refere às queixas da menina de ter sido pouco amamentada  ou desmamada cedo, bem como de ter sido seduzida pela mãe com cuidados que lhe deram prazer para depos ser castigada por se masturbar.

Nas parelhas sexuais femininas vê dois tipos de constelações:
1° representam um casal em que uma nega a falta do pênis e atua como se fosse o marido.
2° que representam, talvez a maioria dos casos, em que a regressão sexual chega a etapas pré-edípicas e as duas companheiras brincam de mãe e filha, predominando as satisfações de tipo oral.
Em 1933, em sua conferência de título “La Feminilidad”, sintetiza seus dois trabalhos anteriores sob o tema ( 1925 e 1931 ).
Em 1937, em “Analise Terminavel e Interminável”, sugere a expressão “Rechaço da Feminilidade” em lugar das anteriomente usadas: “protesto masculino”, “inveja do pênis” ou “inveja fálica”. Diz o autor que tal rechaço, na mulher, é um fato biológico e um fragmento do “magno mistério da sexualidade”.

Escola Inglesa

Segundo Melanie Kein, principal expoente da Escola Inglesa, que baseou seus trabalhos em achados clínicos, analisando crianças principalmente, e nos trabalhos de Freud e Abraham, as crianças pequenas, ( com menos de um ano de idade ) fantasiam as relações dos pais no plano oral, que é o que no momento elas estão vivendo. Assim, para elas, a mãe amamenta o pai e este, com o pênis, a mãe. O pênis, é fantasiado como um seio, porem mais generoso, identificando com este pênis fantasiado o pênis do pai. Em sua fantasia é o pai que alimenta a mãe com seu pênis, dando-lhe leite, filhos e pênis. Por isto, sente inveja do pênis e, consequentemente, medo quando passa a vê-la como rival.

Este ódio pela mãe, leva a menina a fantasiar a destruição do interior do corpo da mãe e a apoderar-se de seu desejado conteúdo. Surge aí o temor da vingança por parte da mãe, estar exposta, por sua vez, à destruição de seu interior, de seus orgãos internos femininos.

Da agressividade pela frustração proporcionada pelo pai e do medo conseqüente, passa à posição “masculina” como defesa contra estes temores, identificando-se com o pai. Crê assim possuir o pênis paterno e com ele poder conseguir de sua mãe tudo o que deseja dela.

O pênis passa a ser arma ofensiva e defensiva por permitir-lhe restituir aos pais o que lhes roubou, na fantasia.

Para E. Jones (1938a e 1938b) “a mulher não é psicologicamente um homem castrado, mas já nasceu fêmea”. O conceito de “APHANASIS”, do autor, nos serve para a compreensão de múltiplas ansiedades neuróticas. Segundo este, o temor de castração, de ambos os sexos, tratado por Freud, no fundo não seria o temor da perda do pênis, mas o de ver-se privado de toda a possibilidade de prazer sexual e, por conseguinte da perda da possibilidade de vincular-se libidinosamente com o objeto amoroso. Assim, segundo o sexo ou etapa evolutiva, o temor da “aphanasis” pode se referir à perda do pênis, vagina, anus, boca etc. Assim, quando a satisfação de determinada zona erótica, por exemplo, a vagina, implica em demasiado perigo, a sensibilidade sexual se desloca para outra zona, principalmente o clitóris, evitando assim a “aphanasis”. 

Para Jones e a Escola Inglesa o desejo da menina Ter um pênis não é primário mas é já uma atitude neurótica defensiva conseqüentes á angustias surgidas do complexo de Édipo primitivo provocado por frustrações orais com a mãe. Para os autores da Escola Inglesa a menina tem um conhecimento instintivo e “a priori”  de seus órgãos sexuais e de suas funções receptivas e se adota transitoria ou permanentemente uma atitude viril, isto se deve as frustrações sofridas em suas tendências primariamente femininas. O pênis desejado seria não só para se defender de um ataque da mãe ao interior de seu corpo, como para aliviar sua culpa oferecendo-o á sua mãe ou a seu pai, de quem o roubou em suas fantasias.

DIFERENÇAS ENTRE A ESCOLA VIENENSE E A INGLESA

Uma diferença fundamental entre as duas Escolas é que, enquanto Freud vê o início do complexo de Edipo por volta dos quatro anos de idade, a Escola Inglesa, com Melanie à frente, situa-o já no primeiro ano de vida.

Outra é quanto ao temor básico feminino: a Escola Vienense diz que a menina teme vir a sofrer ou haver sofrido a castração de seu pênis imaginário; já a Escola Inglesa vê a menina temerosa da destruição já ocorrida ou por ocorrer de sua capacidade de vinculação e prazer com um objeto amoroso por destruição de seus órgãos femininos internos.

Enquanto para a Escola Vienense a menina desconhece sua vagina e concentra no clitóris toda sua exitabilidade, a partir da etapa fálica de seu desenvolvimento psico-sexual, para a Escola Inglesa, a menina adota, desde o início, uma atitude feminina receptiva frente ao pai, percebendo sua vagina e desejando Ter em seu interior o pênis paterno. O temor ao pênis viria das fantasia sádicas nele projetadas ao ver seus desejos frustrados pelo pai. Daí surge a posição “masculina” precoce, como defesa contra seus temores.

BIBLIOGRAFIA

  1. Freud, S. 1905 – “Três Ensaios Sobre A Teoria Da Sexualidade”. Edição Standard Brasileira Das Obras Psicológicas Completas de S. Freud. Vol. VII.  Imago Editora. Rio de Janeiro. Brasil. 1972.
  2. Freud, S.    1920  - “Sobre La Psicogênesis De Un Caso De Homossexualidad Feminina”. Obras Completas de Freud. Vol. XIII. Editorial Americana. Buenos Aires. Argentina. 1943.
  3. Freud, S. 1924  - “El Problema Econômico Del Masoquismo” . Obras Completas De S. Freud. Vol. XIII. Ed. Americana. B. Aires. Arg. 1943.
  4. Freud, S. 1925  - “Algunas Consequencias Psiquicas De Las Diferencias Anatomicas De Los Sexos”. Obras Completas de S. Freud. Vol XXI. Ed. Americana. B. Aires. Arg. 1955.
  5. Freud, S.  1931  - “Sobre La Sexualidad Feminina”. Obras Completas de S. Freud. Vol XXI. Ed. Americana. B. Aires. Arg. 1955.
  6. Freud, S. 1933  - “La Feminilidad”. Obras Completas de S. Freud. Vol. XVII. Ed. Americana. B. Aires. Arg. 1943.
  7. Freud, S.  1937  - “Analisis Terminable E Interminable”. Obras Completas de S. Freud. Revista Argentina De Psicoanalisis. Ano IV, N° 2. 1946
  8. Jones, E.  1938 a :   “Early Female Sexuality”. Papers Of Psychoanaysis. Baltimore, USA. W. Hood and Comp. 1938. Apud M. Langer: “Maternidad Y Sexo”. B. Aires. Arg. Ed. Nova. 1951.
  9. Jones, E. 1938 b : “Early Female Sexuality”. Papers of Psychoanalysis. Baltimore. USA. W. Hood and Comp. 1938. Apud M Langer in “Maternidad Y Sexo”. B. Aires. Arg. Ed. Nova. 1951.
  10. Klein, M. 1932 – “El Psicoanalisis de Niños”. B. Aires. Arg. Ed. Ateneo, 1948.
  11. Kein, M. 1945  - “El Complexo De Edipo A La Luz De Las Ansiedades Tempranas”. Ver. Argentina de Psicoanalisis. Vol. X. 1953.
  12. Klein, M. 1952  - Algunas Conclusiones Teoricas Sobre La Vida Emocional Del Lactente” in Desarrollos En Psicoanalisis. B. Aires. Arg. Ed. Hormé. 1962.
  13. Langer, M.  1951 – “Maternidad Y Sexo”. Ed. Nova. 1951. B. Aires. Arg.