BASES ESQUIZO-PARANÓIDES DE UMA ATUAÇÃO NA TRANSFERÊNCIA

SÉRGIO PAULO ANNES
Porto Alegre, Novembro de 1963.
sergio@annes.com.br
   

Trabalho com o qual obtive o título de Psicanalista e Membro da Sociedade Psicanalítica de de Porto Alegre e Membro da International Psychoanalitical Association.

Quanto mais intensa for a resistência,
mais amplamente ficará substituída
a lembrança pela ação. S. FREUD (5)

Os que não se lembram do passado
estão condenados a revive-lo. G.
SANTAYANA

A voracidade é um desejo veemente,
impetuoso e insaciável que excede ao
que o indivíduo necessita e ao que o
objeto é capaz e está disposto a dar.
M.KLEIN
(8)

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é apresentar, através de sessões e comentários de um caso clínico - uma atuação na transferência examinando os mecanismos de defesa nela presentes, em especial os esquizo-paranóides.

Não tencionamos trazer aqui um trabalho sobre "acting-out", mas tão somente, através de fragmentos de um caso clínico, sublinhar as relações existentes entre um tipo de "acting" que ocorria dentro das sessões (o qual é denominado por Fenichel (2) - atuação na transferência) e determinadas defesas características da posição esquizo-paranóide, especialmente, a dissociação, a identificação projetiva, o controle dos objetos, a negação e a onipotência. Como veremos, estava a atuação transferencial a serviço de manter a distância as ansiedades paranóides e, como não podia deixar de ser, foi sempre encarada como uma defesa e como tal interpretada.

As primeiras aproximações, sobre o que mais tarde viria ser conhecido como "acting-out", encontramos em dois capítulos da "Psicopatologia de la Vida Cotidiana" de S. Freud (6), escritos em 1901. Neles o autor chama a atenção para determinados atos que, embora realizados sob a aparência de "pura casualidade", devem ser examinados como sintomas, pois são expressões de conflitos, tendo sempre uma motivação e um significado.

Em 1905, ao comentar o caso Dora (3), Freud aborda mais diretamente o problema: "Dora fez recair sobre mim a vingança que queria exercer sobre K. e me abandonou como ela cria haver sido enganada e abandonada por ele. A paciente viveu, de novo, assim um fragmento essencial de suas lembranças e fantasias em lugar de reproduzi-lo verbalmente no tratamento". E lamenta não ter percebido a tempo, e interpretado, os impulsos que impeliam a paciente a vingar-se. Falava Freud na transferência, mas também no atuar, ou seja, no atuar na transferência.

Mais tarde, em 1914, Freud (5) já então mais preocupado com análise das resistências do que com o problema de tornar consciente o inconsciente, como no início de suas descobertas, assim se manifesta: "Em geral o analisando não relembra nada do esquecido ou reprimido, senão que o vive de novo. Não reproduz como lembrança, senão como ato; repete-o sem saber, naturalmente, que o repete". E volta a alertar-nos para os atos que, durante o tratamento, o paciente pode praticar, dentro ou fora da análise, tais como: apaixonar-se, atirar-se a certos empreendimentos, etc. Mais adiante Freud acrescenta: "A revelação da resistência não pode ter por conseqüência imediata seu desaparecimento. É necessário dar-se tempo ao enfermo para aprofundar-se na resistência, até então desconhecida por ele, elaborá-la e dominá-la, continuando apesar dela o tratamento, conforme a regra analítica fundamental".

Em suas lições de Técnica da Psicanálise volta ainda Freud (4) a alertar-nos para o desejo dos analisandos em repetir o que só deveriam recordar, dizendo que o fato de ser um paciente correspondido pelo analista em suas pretensões amorosas, constituiria uma derrota para o tratamento, pois o paciente teria conseguido realizar o que só deveria ser recordado como material psíquico e mantido nos domínios anímicos.

Sem dúvida pouco, relativamente se tem escrito especificamente a respeito dos problemas do "acting-out". Sobre este tema tem especial realce o trabalho de Fenichel (2) "Neurotic” acting-out “. Nele o autor examina as características comuns a todo” acting-out, suas relações e diferenças com a transferência, o deslocamento, a formação de sintomas e os atos compulsivos, etc. Estuda as condições prévias para que ele ocorra seu aparecimento dentro e fora da análise, a influência da contratransferência nesse aparecimento ou na persistência do mesmo diante do tratamento. Dá-nos indicações a fim de impedir a atuação fora da análise, procurando através de seu exame na situação transferencial, transformá-la em autoplástica para que se torne acessível à terapêutica.

Posteriormente a Fenichel, outro trabalho nos merece a atenção: é este o de P. Greenacre (7), no qual a autora endossa a contribuição de Fenichel, agregando ainda outras causas às apontadas por este autor, como geradoras do "acting-out", e tentando estabelecer sua origem ao redor do segundo ano de vida, na transição do período pré-verbal para o verbal. Encarece, por outro lado, a importância da interpretação do narcisismo e dos conteúdos do Id, mas somente após o estabelecimento de uma boa transferência positiva.

Rosenfeld (13), em trabalho citado por Melanie Klein em "Inveja e Gratidão", vê o "acting-out" como um meio empregado para manter a dissociação.

M. Klein (8) ao enumerar "algumas defesas contra a inveja" assim se expressa: "a atuação, na medida em que é usada para evitar a integração, se converte em uma defesa contra as ansiedades despertadas ante a aceitação da parte invejosa da personalidade".

Gino A. Di San Leo (14) dedica um trabalho ao tipo de atuação por nós examinados, isto é, atuação no que se refere ao pagamento dos honorários. Nele o autor vê o problema sob o ponto de vista geral: os conflitos nos vários planos da evolução psico-sexual, seus mecanismos de defesa, em especial a identificação. Relaciona as dificuldades em dar, apresentadas pelo paciente, com fixações na etapa anal, bem como com os aspectos fálicos, anais e orais do dinheiro.

Podemos também citar o trabalho de Walderedo. I. de Oliveira, "Acting-out e Situação Analítica" (12) cujo propósito, nas palavras do autor, foi: "Assinalar a relação íntima que apresentam os chamados” acting-outs “dos pacientes em análise com a situação analítica, e demonstrar como certas situações psicológicas, inerentes à própria análise, podem facilitar e desencadear estas formas de atuação por parte dos pacientes em tratamento",

O "acting-out" é, como se sabe, freqüente na análise de psicopatas e, sob este aspecto do tema, cabe referir o trabalho de Cyro Martins (11) "Avidez y Repeticion", publicado em 1956, no qual tinha em vista: "Configurar a imagem clínica de uma personalidade psicopática, aprofundar sua psicologia e chamar a atenção para as dificuldades mais evidentes que opõem esses pacientes ao tratamento psicanalítico". "Sua história subordinou-se mais especificamente ao relato e à interpretação de suas atuações que a análise específica de suas relações transferências; mais à descrição de um psicopata com o propósito de descrever suas atuações em função de suas experiências infantis e fantasias inconscientes".

ANTECEDENTES

Sob o título acima apresentamos dados biográficos e da história clínica da paciente, mostrando através dos mesmos, suas condições ao iniciar o tratamento analítico.

Úrsula é uma mulher loura, franzina, de estatura mediana, com trinta e dois anos de idade. Professora, casada há oito anos, tem três filhos: duas meninas e um menino, com seis, cinco e quatro anos, respectivamente. Nascida e criada até a adolescência no interior do Estado. Filha única, não conheceu o pai, pois este abandonou sua mãe antes da paciente nascer, nunca mais dando notícias. Até hoje ignora Úrsula se ele é vivo ou morto. Sua mãe, ao ser abandonada, foi morar com um irmão mais velho, casado e sem filhos. Por estes tios a paciente foi criada como se fosse filha.

Dos primeiros anos pouco recorda, guardando, no entanto grandes queixas da mãe, a quem acusa de sempre ter vivido à custa do irmão, sem nada fazer, pois era professora, mas se negava a lecionar, alegando que o irmão tinha obrigação de sustentá-la, "era uma parasita, acho até que nem me amamentou, e si o fez foi muito pouco". É o que afirmava a paciente, embora tenha ouvido a mãe dizer: "mamaste e até demais”.

Desde pequena foi muito dominadora, exigindo e obtendo o que podia dos tios e da mãe, Ainda lembra acusações que ouvia deles, emigrantes europeus a propósito de suas exigências: "És capaz de derrubar um batalhão... és pior que os bolchevistas... és um diabo, me suga até o sangue... me deixas velha, de cabeça branca... ainda vais me matar...". Quando algo que desejava se tornava difícil de conseguir, dizia: "É, vocês não me dão, pois eu vou ficar magra, doente, depois morro e vocês vão ter remorsos e chorar lembrando da pobrezinha de mim". Com isto vencia as oposições e conseguia o que queria.

Teria uns seis anos quando a mãe casou novamente e acha que influiu na escolha do padrasto, pois este era o pretendente que ela preferia. A mãe passou a morar perto da casa do irmão onde permaneceu Úrsula, e continuou a depender dele, se bem que disfarçadamente, pois seu marido, que era um homem instruído, mas também muito dependente ficou como auxiliar do cunhado em sua livraria.

A respeito de suas relações com o padrasto, afirma a paciente. "Sempre me dei muito bem com ele - e acrescenta - eu fazia dele” gato e sapato ““.

Ainda no interior do Estado, fez o curso de professora e aprendeu violino, chegando a tocar bastante bem. Certa ocasião foi convidada a tocar em público e aceitou, mas ao notar o entusiasmo do tio recusou o convite. Idêntica atitude teve quando o tio lhe sugeriu que arranjasse um emprego. "Afinal, eu era ou não, considerada como filha por eles? Pois então tinham obrigação de me sustentar". Esta continua sendo a atitude que sua mãe toma frente ao irmão, de quem sempre dependeu.

Seu primeiro namorado que lhe lembrava "um artista de cinema", parecia-lhe, no entanto, desleixado e magro. Anos após, encontrou-o bem cuidado e gordo e teve a sensação de que fora a culpada de sua má aparência, dizendo como que a lamentar: "Só melhorou depois que nos separamos...”.

Já mocinha veio para Porto Alegre "para continuar os estudos". Junto vieram a mãe e o padrasto, para acompanhá-la. A seguir, vieram os tios.

Com a morte do padrasto, num acidente, tiveram início suas idéias de culpa: "Se eu não tivesse pedido a ele que fizesse um recado para mim, certamente que na hora do acidente ele não estaria no local em que passava o ônibus que o matou".

Continuavam a ser sustentadas pelo tio, mas como o que recebiam era insuficiente, teve que dar aulas particulares, o que sentiu como uma imposição da mãe. Esta passou a fazer a lida da casa, cozinhando e lavando toda a roupa, pois não podiam pagar uma empregada. Úrsula via na atitude da mãe sovinice e má vontade para com ela: "Não queria empregada só para não gastar... Nunca comi tão mal na minha vida; ela não sabia cozinhar... Morávamos numa verdadeira maloca..." Passou a se desentender mais e mais com a mãe, acusando-a de tudo que de mal lhe ocorria. Por sua vez, a mãe apontava a paciente como a causadora de suas vertigens, cefaléias e epistáxis. O médico consultado afirmara que ela sofria de hipertensão e que morreria se Úrsula continuasse a tratá-la como o vinha fazendo. A paciente passou então a morar com os tios, ficando a mãe sozinha.

Com os tios, e mesmo com a mãe, tinha, freqüentemente, discussões e brigas, Um dos motivos das desavenças era o seu namoro com um rapaz a quem os tios criticavam por ser de outra religião e ser doente. Sua precária ligação com o namorado levou-a a manter com ele relações genitais, que não lhe davam prazer e a enchiam de culpa. Encontrava-se com o namorado na pensão aonde ia visitá-lo quando se achava doente. Tinha grandes cuidados na arrumação da cama após o ato sexual, com receio de que a dona da pensão descobrisse o que faziam. Procurava estender bem os lençóis e examinava-os com medo de que ficassem manchas ou pêlos, que poderiam denunciá-los. Passou a viver atormentada por idéias de doença e de morte, tanto dela como de seus familiares, Sentia: "febre, sonolência e dores", que imaginava serem "aviso de um infarto". Outras vezes imaginava que deveria ter um câncer no seio, o que a enchia de medo da morte. Muitas vezes ficava a imaginar a morte do tio: via-se chegando à casa do tio onde cortinas negras nas portas e janelas anunciavam a sua morte. E, morrendo o tio, o que herdaria ela? Seria considerada como filha, ou teria que repartir a herança com os demais parentes? O tio que era visto como um velho e irascível "pão duro", também era acusado de malbaratar o que tinha, sustentando um outro irmão, além da mãe da paciente, e ainda de dar presentes e ajudar financeiramente outros sobrinhos.

Como essas idéias obsessivas recrudescessem, procurou um psiquiatra amigo, com quem passou a fazer psicoterapia. "Eu ia lã só quando estava muito nervosa". Admitia que ele a apoiava e cobrava até uma quantia razoável, para favorece-la, mas criticava-o pelo que deveria ganhar no fim de um mês de trabalho. Não pagava o médico pontualmente e, justificando-se, dizia que "tão pequena importância não faria falta a ele". Ainda deve sessões ao psicoterapeuta, bem como uma consulta feita a outro psiquiatra, há tempos, a quem alegou estar desprevenida na ocasião, prometendo voltar para saldar a dívida em seguida.

Posteriormente, melhorou, vindo a casar com o namorado, contra a vontade dos familiares e, escondido deles, casou pelo religioso na igreja do noivo, o que ainda teme venha a ser descoberto pela mãe e tios.

Em suas relações genitais com o marido é frígida, temendo o orgasmo que, segundo ela, a deixaria completamente a mercê dele. Teve três filhos. O mais velho, uma menina, tem todos os desejos satisfeitos por Úrsula que diz: "Não quero que venha ser uma neurótica como eu, por não ter recebido tudo o que desejava da minha mãe". Com os outros, não tem essa preocupação, achando que eles são mais conformados.

A paciente não trabalha em sua profissão de professora apesar de solicitada.  Afirma que tem muita vontade de tomar alunos, mas cria toda a sorte de dificuldades, marcando-lhes horários que de antemão sabe que os candidatos não poderão aceitar, ou que ela não poderá cumprir. O esposo é contabilista e trabalha tanto em casa como fora e, para que ela lecionasse, teria que utilizar o gabinete de trabalho em horas em que ele estivesse fora.

ASPECTOS DO TRATAMENTO

Veio a paciente à minha procura, para ser analisada, por indicação do psicoterapeuta que lhe dissera francamente que o tratamento, como vinha sendo feito, não iria ajudá-la já que só o procurava quando estava pior de seus sintomas.

De inicio Úrsula relata suas queixas principais: idéias de morte em relação aos familiares e a ela própria, idéias que surgiam inesperadamente, enchendo-a de ansiedade, contra as quais não adiantava lutar, e que desapareciam tão subitamente como haviam aparecido. Sentia ciúmes do marido, achando-o frio e distante, e com ele discutia e brigava seguidamente, quando exigia maior atenção e que ele provasse que a amava.  Permanece "horas", segundo sua expressão, a imaginar como seria determinada coisa ou situação se não fosse tal como na realidade se apresentava.

Ainda na primeira entrevista disse estar a par dos preços da análise, mas que gostaria que eu lhe cobrasse ainda menos do que lhe cobrava o psicoterapeuta que a havia tratado. Combinara com o marido que ele pagaria o tratamento, inicialmente, mas que ela tomaria alunos para, na medida do possível, passar a pagá-lo. O horário, o número de sessões semanais e o preço foram tratados: quatro sessões por semana e o mesmo preço que o psicoterapeuta lhe cobrava, pois sua situação econômica, realmente não permitia que me pagasse mais.

Desde o início a paciente se mostra contraditória a meu respeito: "O Sr. deve ser muito rico... e inteligente também, é claro, senão não seria analista. Eu também gostaria de ter um condicionador de ar, um relógio assim como o seu; e livros como o Sr. tem... Tenho medo de lhe falar nas minhas coisas e o Sr. ficar chocado. Não sei porque, mas eu lhe imagino solteiro, morando com a mãe velhinha... parece que o Sr. não conhece as coisas más da vida". A seguir passa à crítica aberta, dizendo que tudo está mal no meu consultório, desde os quadros na sala de espera, os móveis e as cortinas, que são feios, até a minha falta de gosto no combinar as cores.

Interpreto mostrando à paciente como ela tem necessidade de alguém rico poderoso e inteligente para cuidar dela, ou seja, de uma mãe de seios fartos, para saciá-la, mas que me vendo assim teme por mim, pois seu apetite é tão grande, sente-se tão voraz que eu lhe pareço um inocente sem possibilidade de defesa. E é com o fim de me proteger de sua voracidade que passa a me desvalorizar, pondo-me a salvo dela mesma.

Estamos, portanto, a mostrar-lhe como está dissociada em partes boas e más, que há um tempo tem impulsos destrutivos, dirigidos ao objeto de sua voracidade, e desejos de preservá-lo destes mesmos impulsos.

A paciente, que desde o início da análise mostrou facilidade de expressão, recorre freqüentemente à negação e à anulação como meios de se defender. É comum o silêncio no início da sessão quase sempre seguido da expressão: "Hoje eu não tenho nada para lhe contar". Ou então: "O que eu estou pensando não tem nada de importante... só penso bobagens...". Em seguida punha-se a falar, pois com o que havia dito anulara o perigo que temia. Mas à medida que relatava o que lhe ocorrera, intercalava exclamações que neutralizassem o que ia dizendo, tais como: "Como é que posso dizer uma besteira destas!... Só digo asneiras... Estou é inventando, sou bem louca, não é?...”.

Outra maneira de se defender, consistia em atribuir a mim o que dizia ou pensava: "Garanto que o Sr. acha que é assim, não é? Isto são idéias que o Sr. andou botando na minha cabeça... até acho que andou me hipnotizando...". E ria, ridicularizando e destruindo o que era seu, mas via como meu, pois colocando em mim uma parte sua se livrava do que sentia em si própria como perigoso. Desse modo censurava mais livremente os seus aspectos mal suportados e se castigava através das acusações que eu lhe estaria fazendo.

A voracidade da paciente, já evidenciada no material apresentado, é ilustrado com maior clareza nas fantasias que relata numa sessão que teve lugar aos quatro meses de tratamento, a qual julgo de interesse transcrever a seguir.

Sessão A:
Depois de permanecer algum tempo em silêncio, dá início às suas comunicações:
- "Eu conto para o Rui (seu esposo) o que eu falo aqui para o Sr...” E rindo: "Eu acho que ele fica com ciúmes... É, mas ele nem me diz nada. Se ele se analisasse eu também ao me importaria. Agora, si fosse com uma analista mulher, claro que eu não permitiria".
Silencia por instantes e volta a falar: - “Sabe o que eu estava pensando? Não posso lhe contar, senão o Sr. me julga completamente louca... São bobagens sem cabimento..." Novamente fica em silencio. "É que eu imaginei que o Sr., depois que eu deitasse, viria aqui sentar (bate com a mão na borda do divã). Diria que eu era bonita, pegaria a minha mão, me dava um beijo e deitava comigo... Que horror, isto tem cabimento? O Sr. deve estar me achando completamente louca, que sou um caso de hospício...”.
Após novo silêncio, seguido de riso: "Aí nós ficaríamos amantes... Eu viria cá, conversar com o Sr. quando quisesse e o Sr. não me cobraria mais e ainda me devolvia todo o dinheiro que eu já lhe dei. Aí dizia que não podia mais me tratar e me mandava para outro analista. É, mas eu viria cá seguido... Então o Sr. me dava um automóvel, casa, jóias, uma porção de coisas. Mas como é que eu posso falar nisso!?... Um dia ficavam sabendo e o Sr. ficava sem clínica. Iam dizer: imaginem, amante das clientes!..."

Cala-se por alguns minutos e após recomeça: "Que horror o Sr. não imagina o que eu estava pensando; também eu só penso loucuras!... Com esta sim, garanto que o Sr. me interna. Vai dizer que eu sou esquizofrênica... Bem, vou dizer, mas nem estou sentindo isto. Isto nem é meu, não sei como fui pensar... Não digo. Quem sabe outro dia? É uma tolice, nem tem cabimento Imagine só que... É como se não fosse eu que dissesse... Bem, pensei que eu ia... quer dizer... Assim, chupar no Sr., no seu pênis. Como é que eu fui dizer!... Agora sim, o Sr. me manda embora... Pensei até que eu lhe mordia e o Sr. ficava sem pênis. Agora sim, nunca mais venho cá, lhe juro. Vou embora agora mesmo, pego as minhas coisas e não apareço nunca mais. Eu sei que se eu volto o Sr. me interna num hospício".
- Estás dizendo que não admites me repartir com ninguém, que me queres só para ti, mas como um nenê quer a mãe, para receber, tirar coisas dela: ganhas elogios, abraços, beijos, dinheiro, casa, automóvel, jóias, em fim, um mundo de coisas. Assim vais me tirando tudo, me sugando, chupando o que podes até terminares comigo:         perco a clínica, tudo, até o pênis, que é visto por ti como um seio, algo de chupar. Então vais embora, me abandonas como o nenê deixa de lado o seio vazio, sem nada. Isto te deixa culpada, pois te sentes muito perigosa, e ficas esperando castigo: vou me vingar também te abandonando, te mandando embora para um hospício. Também me dizes que a maneira de evitares tudo isto seria o teu marido te tirar do tratamento, e o caminho é provocares ciúmes nele, contando-lhe o que dizes para mim.
- "E aí, o que é que eu faria?... O Sr. vai dizer que eu ia procurar outro para fazer o mesmo, não é?".
- Estás me dizendo que ias procurar o outro seio para fazer o mesmo, o que criticas e te faz sentir culpada. Pões então em mim a tua parte que te acusa e fico eu a te ameaçar com abandono e hospício.
- Depois de um silêncio, diz: "Parece que é, não sei bem... Agora me lembrei daquele namorado que eu tive; ele um dia me beijou a força. Ele era magro, anos depois encontrei com ele. Aí já era gordo. Mas só engordou depois que nos separamos. Não sei porque fui me lembrar dele agora..."
- Já que pões em mim a tua voracidade, te sentes ameaçada por mim, eu te ameaço com a boca, como o teu namorado. Mas também me dizes que só longe de ti poderei ficar seguro, engordar. Se fico perto, me esvazias, me fazes emagrecer.
A paciente começa a sessão negando, através do silêncio, mas termina relatando a sua fantasia, não sem tentar anular o que vai dizendo. O conteúdo da fantasia, aparentemente uma sedução num plano genital, deixa bem claro, mais adiante, suas origens orais. É aproximação, voraz e destrutiva, de um nenê com o seio, o que nos lembra as palavras de M. Klein em "Inveja e Gratidão" (8): "No nível inconsciente a finalidade primordial da voracidade é esvaziar por completo, chupar até secar e devorar o seio; isto é, seu propósito é a introjeção destrutiva."
A paciente mostra-se muito angustiada, durante a sessão, seus silêncios são freqüentes e longos. Dissociada, nega, anula, projeta, usa a identificação projetiva com o objetivo de evitar a ansiedade persecutória que sente ao se defrontar com seus impulsos agressivos.
No início da sessão, identificando-se projetivamente com o marido, deixa claro que não suporta ver-me como mãe, não permitindo que ele se analisasse com uma analista mulher, pois assim me vendo, teria seus impulsos libidinosos e agressivos mobilizados na minha direção. Só depois de negar que me identifica com a mãe é que consegue relatar a fantasia embora tema ainda que a dissociação e a confusão possam levá-la à loucura.
O material desta sessão nos dá como que uma síntese do conflito básico da paciente, encoberto pela sintomatologia neurótica superficial: de um lado a voracidade e a inveja destrutivas e, de outro, o amor pelo objeto, ao procurar protegê-lo desta mesma agressão.
Os traços paronóides - voracidade e inveja - aparecem não só através de suas fantasias, como procuramos ilustrar com a sessão acima, mas também através de sua atuação dentro da análise. Atua no plano transferencial como anteriormente atuava, e ainda hoje o faz, com os tios, com a mãe e com o marido. Este "acting in" se evidencia intensamente por ocasião da época do pagamento de suas horas de análise, atrasando-se dias e até semanas. Quando este procedimento é examinado joga a responsabilidade sobre o marido, que não lhe deu o dinheiro a tempo. Ao examinarmos esta situação vemos que a paciente combinara com o marido que ele a auxiliaria no pagamento, e que ela prometera tomar alunos para, ulteriormente, pagar ela própria, sua análise. Aos poucos dá-se conta de que teme, trabalhando, tendo alunos, perder o marido como fonte de satisfação oral. Mais tarde, ao decidir tomá-los, sua resistência novamente aparece quando lhes marca horários que, antecipadamente, sabe que os candidatos não aceitarão, ou sabe que o marido estará ocupando o gabinete de trabalho, que lhes é comum. Cada fim de mês repete-se a mesma situação: primeiro esquece de pedir o dinheiro ao marido; se o recebe, esquece de trazê-lo, ou se o traz, esquece de entregá-lo a mim.
Posteriormente passa a ter alunos, mas entre eles toma dois irmãos, sabendo, pois havia sido avisada, que os pais deles eram maus pagadores. Os temores de sua própria voracidade, dissociados de sua personalidade e postos em mim, projetivamente, vão sendo examinados. Resolve a situação com os maus pagadores. Agora que tem o dinheiro, ganho por ela mesma, seus temores aumentam. Passa então a trazê-lo incompleto, pois, mesmo a caminho da sessão, gasta-o em parte, comprando sempre algo para si mesma: um "baton", um par de sapatos, uma bolsa, brincos, ou mesmo uma barra de chocolate. Aos fins de mês torna-se irritada, briga com o marido e com a mãe, sente-se desprezada por eles e temerosa de ser abandonada. Imagina-se doente, febril, com câncer, sempre localizado nos seios, ou sofrendo do coração, atacada de infarto e nas mãos de uma empregada incompetente, que a deixaria passar fome; depois de muito sofrer morreria, e o marido, tão logo se visse livre dela, casaria novamente, agora com alguém que realmente amasse.

Interpreto tais fantasias mostrando-lhe seu desejo de me tirar muito; que através do dinheiro meu, que retêm, se sente mamando em mim e me mordendo. Assim procedendo me ataca e teme me destruir, me matar, como em suas fantasias com o tio e a mãe, os quais via mortos e ela como única herdeira deles. Também teme o revide: vê-se atacada, de preferência nos seios, (olho por olho, dente por dente) por algo que come e destrói - o câncer. E eu, a empregada, a mãe desvalorizada, vou deixá-la passar fome, vingando-me do que faz comigo, a abandono (como o marido na sua fantasia) e vou me dar à outra, outra cliente, que não me ameace nem me trata mal, como ela o faz.
Paralelamente ao exame dos conteúdos do material passo a não mais aceitar o pagamento quando vem incompleto, juntando sempre à não aceitação, a interpretação.
Toda a sua agressão projetada em mim fazia com que me visse hostil e vingativo, o que por sua vez justificava a continuação de sua atitude voraz, já então como uma "legítima defesa". Sentia-se perseguida, ameaçada de esvaziamento e de destruição, se me pagasse. Por outro lado, o não pagar, que seria a sua salvação, encerrava o perigo de que eu a mandasse embora, o que era vivido como uma destruição.

Passou então a atrasar os pagamentos alegando que eu é que não queria receber já que ela trazia o dinheiro, incompleto, é verdade, mas trazia, Três meses durou esta situação.
Algumas sessões que precederam o pagamento destes meses atrasados darão uma idéia das ansiedades persecutórias e dos mecanismos de defesa usados, em especial a dissociação e a identificação projetiva, bem como da minha atitude frente ao caso.

Sessão B:
- Inicia a sessão Perguntando o que eu decidi sobre o dinheiro, e acrescenta: "amanhã poderei dar mais vinte e dois mil... A Maria (uma aluna) prometeu que quinta vai me pagar o que me deve. Hoje eu ia comprar um par de sapatos para a minha filha... Garanto que o senhor vai dizer que eu ando gastando e não lhe pago".
- Digo-lhe que este é o pensamento dela, mas que o põe em mim para melhor criticá-lo depois.
-"Acho que ela (a aluna) vai criar vergonha... Mas afinal, porque?
O Sr. não recebe os trinta e um que eu quero lhe dar e deixa o resto para depois?"
A seguir conta que foi a um colégio em busca de um lugar de Professora, que falou com a responsável, e acrescenta: "Não lhe digo o nome dela... Afinal o que é que interessa o nome?... Eles oferecem muito pouco, e me disseram que outra foi lá atrás do lugar e que eles não lhe deram porque ela não queria se dedicar, não tinha amor pelo ensino, queria aquilo como um bico..."
- Tu queres me pagar, mas dando um pouco, só uma parte, o restante, o que escondes de mim, para ti funciona como um bico...
- Interrompeu-me irritada: "De onde o Sr. tirou isto? Não entendi nada. Tudo isto porque eu lhe ofereci dinheiro há pouco? Deixa-me ver o que foi que eu disse mesmo... Nada sei mais, vou deixar isto de lado".
- Dizes que se o assunto não agrada, te irrita, o pões de lado.
-"Já sei, o Sr. vai dizer que quero mandar, dominar... Não sei como foi que o Sr. chegou a esta conclusão. Como era mesmo?... O Sr. disse que era como um bico para mim, não foi?... Não sei porque, mas lembrei um sonho: era uma guriasinha, filha duma amiga minha, ela é um amor... - Será que eu me acho um amor? - Ela chorava de fome e queria leite, mas a empregada oferecia água. Depois era noite e um ladrão ia assaltar a casa onde eu estava, mas desistiu. Dentro da casa havia partidários do ladrão. O ambiente era todo estranho. - Puxa, como é que o Sr. resiste a essa profissão?... Todos sabiam que havia uma revolução, e eu não sabia si sairíamos vivos daquilo."
"O Sr. quer saber duma coisa?! Eu estou é inventando, sabe? ... Tudo é conversa, enfeite, não passa de teoria... O Sr. vai achar que eu quero mandar para receber mais... E leite, não água.
"Ontem senti uma ardência aqui no seio... Sabe que eu até fiquei alegre por não ter ido bem lá no colégio? O Sr. é que vai achar isto".

- Ficaste satisfeita por não ter dado certo e, ao mesmo tempo, te criticas por isto. Pões em mim a tua parte que critica e me vês a te criticar.
- "Garanto que o Sr. não acredita que eu queria ganhar mais. Não é?"
 - Tens medo de ganhar mais, pois si tiveres mais dinheiro te vês ameaçada de roubo por mim.
- "Lá no colégio vi uma mulher brigando e pedindo nota para uma menina. Ela dizia que a menina era filha de um deputado. Sabe o que foi que eu pensei!... Nota... nota de dinheiro... Pensei em dar um presente para minha tia, agora no dia das mães. Para ela eu não digo as mesmas coisas que digo para a minha mãe. Ela me faz todas as vontades. Acho que digo horrores para a minha mãe porque ela me contraria. A minha tia eu domino. Ela sim é uma verdadeira mãe".
- A tua queixa é que eu não sou uma verdadeira mãe para ti, pois a verdadeira mãe é a que dominas. Temes que, não me dominando, venha a te faltar leite, que é o que o dinheiro representa aqui para ti; pagando, ficarias só à água, com fome. Por isto estás em luta comigo, já que te sentes ameaçada de assalto. Dentro de ti, à parte que concorda comigo, é vista como partidária do ladrão. Nesta luta tentas me apaziguar, já que me vês com os teus propósitos de tomar e assaltar, por isso me ofereces mais três mil, depois mais oito mil, a seguir dezesseis mil, vinte mil e hoje me acenas com mais vinte e dois mi. O que fica faltando é o bico pelo qual vais me controlando, sugando e dominando...
Interrompeu-me angustiada: - "E se eu morro no dia em que lhe pagar? E aí, não vai sentir remorsos? Sabe duma coisa: essa teoria do Freud está toda errada. E si daqui a uns anos ficar provado que está mesmo? Não quero lhe deixar triste, mas essa teoria não serve; façam outra... E o que é que adianta eu vir cá se não consigo manejar a minha mãe?..."
- Se me manejas e me destróis, como fazes com a minha teoria, ficas com medo que eu, em represália, te mate. Isto aparece no teu sonho: não sabes se sairemos vivos daqui,
- "Mas eu também me envergonho... Sabe que eu tive de novo aqueles pensamentos horríveis! ... Quando morreria o meu tio; quanto receberia eu de herança; o que faria com ela; se ele custar a morrer eu nem aproveito... Aí já me vi com um câncer, pedindo dinheiro para ele para me tratar. Será que ele venderia a casa para me ajudar? Agora pensei na sua casa..."
- Doente poderias ver se eu te quero bem, assim como fazias com os teus tios e tua mãe quando pequena e, ao mesmo tempo, te castigas pelo muito que nos queres tirar, pois te vês a matar teu tio e a mim com o teu apetite. E quando pões em mim tua voracidade, temes que eu te destrua e te devore como um câncer,
- "... Depois do filme, quer dizer, do sonho...”
- O que não te agrada em ti, já não é mais teu.  Já não é mais o teu sonho, é um filme.
- "O Sr. acha que eu vou ter um câncer?"
- Estás me perguntando se a tua voracidade pode te destruir.
- O Sr. diz que eu tiro, mas é o Sr. que não aceita o dinheiro e me obriga a ficar com ele".
"Se eu tivesse dinheiro compraria coisas para a minha mãe, mas do meu gosto e do preço que eu quisesse..."
- É o que queres fazer comigo: queres pagar como e quando desejares para te sentires comigo na tua mão, me dominando, e assim não me perderes.

Sessão C:
No dia seguinte, logo ao entrar, vai dizendo: "Quero que o Sr. resolva isto: recebi dinheiro para pagar o armazém, poderia com ele lhe pagar e, hoje à tarde, quando a Maria me pagar, pagar o armazém. Quanto pagar, não é?... Como é, lhe dou ou não? Agora pensei: pago... e só quero ver se morro. O Sr. é que diz que eu tenho medo de morrer. Viu, é influência sua!... Puxa, agora já não sei mais se isto é coisa minha ou sua".
- Estás me dizendo que isto de pores em mim as tuas coisas, que achas desagradáveis, e depois dá-las como minhas, te cria uma confusão que já não sabes mais o que é teu e o que é meu.
- "Tive medo de me sentir mal, pagando... Mas eu sei que o Sr. não vai aceitar; faltam setecentos e cinqüenta cruzeiros. Já sei, o Sr. vai dizer que eu trouxe faltando seiscentos e cinqüenta, de propósito..."
- Novamente pões em mim tua intenção de não me pagares, mas já me ofereces mais cem cruzeiros.
Diz que poderia ter trazido todo o dinheiro se tivesse aceitado o que o marido lhe ofereceu quando saiu de casa.  Passa a criticar a empregada que vive a se queixar, a pedir-lhe dinheiro para comprar coisas desnecessárias.  "Ela tem é muita inveja de mim".
- Mostro-lhe como põe para fora, agora lá na empregada, uma parte que não suporta como sua: a da inveja. E que a cobiça e a raiva que sente em relação a mim se tornam claras quando fica com o meu dinheiro e o malbaratador, comprando coisas inúteis. E que situação idêntica é a que tem com a mãe e com os tios. Também a crítica que me faz e a crítica que faz a si própria.
Após negar que, atualmente, tire coisas de mim ou de outros, pergunta:
- "Essa mudança melhorou a minha vida? Não há vantagem nenhuma em mudar. Hoje achei a minha casa tão suja, o chão arranhado, a pintura descascando, tudo tão pobre!... Hoje me pareceu que eu não tinha mais ciúmes do Rui (esposo). Como é, estou ou não estou diferente?.
- Estás em dúvida porque continuas a me tratar, em relação ao dinheiro, como sempre me trataste.
Mostrando-se irritada, replica em voz alto:
- "Afinal, não vai aceitar só porque faltam setecentos e cinqüenta cruzeiros?..."
- Tu é que não aceitas me pagar toda a importância que me deves porque me vendo com a voracidade que puseste em mim temes que eu te deixe como viste a tua casa: arranhada, suja, chão descascando, pobre. Daí a tua necessidade de dar aos poucos, como fazes quando dás presentes para os teus tios e tua mãe. (A paciente dizia que para não sentir que dava os presentes, comprava-os no crediário, ao passo que para si não se importava de pagar à vista o que adquiria).
- "O Sr. está é com uma neurose grave, sabe!? Então tudo que eu penso e uma farsa? Quero ou não lecionar no colégio, também? Penso que uma coisa é diferente de outra e, vou ver, são iguais!"
- Para ti, aqui, as duas situações que parecem diferentes - pagar e não pagar - são iguais. Se me pagas te sentes tão sugada e chupada que morres; e se não me pagas eu me vingo te abandonando, o que para ti é igual à morte.
- Então é por isto que certos chefes de nações não deixam de oprimir; não largam as rédeas como o Sr. diria... E quem é que prova que não é verdade? Quem é que me garante que o Sr. não se transforma numa fera? Eu, uma vez, fiquei uma fera com a empregada. Disse tudo para ela... O Sr. quando se achar com o dinheiro vira um enorme urso, garanto...
- Se me largas, largas as rédeas e eu, com a raiva que puseste em mim, passo a te atacar. Fico um urso, isto é, igual à fera que sentes dentro de ti.
- "Juro que mudo de nome... Eu nem ia dizer urso ia dizer tigre. Estou é ficando louca, sabe!... E não me fale mais em feras, nem em ursos, nem nada...".
- Estás é me proibindo de falar na tua raiva, na tua voracidade, pois com elas te sentes uma fera e é por isto que as colocas fora de ti, nos outros, principalmente aqui em mim.
- "Então o Sr. não aceita sem os setecentos e cinqüenta? Amanhã eu trago, mas se me acontecer alguma coisa! ... E se eu morro? O Sr. não gostaria se me acontecesse uma tragédia, não é? Não me sinto normal, parece que acredito em espíritos, que vai acontecer o que pressinto. Vou ter medo, me angustiar... Não quero mais nem falar em dinheiro...
- Pois foi para evitar este perigo que trouxeste o dinheiro faltando os setecentos e cinqüenta cruzeiros.
- "Está bem, eu lhe pago, mas fico devendo um cruzeiro... nem que sejam dez centavos... É, mas o Sr. vai reclamar. O Sr. é muito mesquinho...
Já não me entendo mais... Afinal, devo ir atrás dos sentimentos ou da razão? Acho que eu estou assustada. Mas se houver mesmo uma tragédia se eu pagar? E o Sr., segue a razão ou o sentimento? O Sr. decerto é como diz aquela frase: o verdadeiro homem é aquele que não se divide... Não sei mais o que...
- Estás me dizendo que estás dividida entre a tua parte que quer dar e a que quer tirar, a que chamas de mesquinha pois quer ficar nem que seja com dez centavos meus.
- "O Sr. não valoriza o seu trabalho, pois disse: dar, e não pagar.
- Dizes que se não me pagas é também porque não valorizas o meu trabalho.
- "Isto de valorizar trabalho é muito complicado e relativo... Não está na hora? Não me sinto nada bem hoje, aqui".
- Não te sentes nada bem ao veres estas tuas coisas em ti, daí a necessidade de pô-las fora de ti, em mim.
- "Então não vai aceitar? Pois não falo mais nisto, nem ofereço. Se quiser me peça".
E após um silêncio: - "O Sr. deve pensar que eu não quero falar, mas acontece que eu não penso em nada..." Pensei agora no Ruí... na empregada... agora no sono que me deu há dois dias; nem esperei o Rui à noite, dormi e nem dei atenção para ele. Estou aflita, mas garanto que tudo passa, é só eu sair daqui.  Vou ver a neurose dos outros - o Sr. vai dizer, não é?.
O teu silêncio é para escapares do que há dentro de ti e eu te mostro. Outra maneira de não te afligires é colocares teus problemas nos outros e vê-los, então, lá fora,
- "Mas devo pôr fora ou me sentir uma fera?...
Hoje li no Jornal que um homem degolou a mulher e ainda foi ao enterro dela. Imaginei o Rui me degolando. Ele ou alguém ... Não, era ele mesmo. E eu pensava: não adianta, deixo que me mate, mas os meus filhos vão fugir desse pai. O Sr. já vai achar que eu e que quero lhe degolar, que eu é que sou a fera."
- Tu estás achando e pondo em mim, e logo ficas com medo de mim. Assim como não me pagando tiras coisas de mim e me atacas, me pagando te vês atacada, despojada, pobre, casa suja, chão arranhado, pintura descascando, ferida, degolada, e morta por mim.

Ao sair pergunta: - "O Sr. não quer mesmo que eu lhe pague hoje?".
- Digo-lhe que ela não quer me pagar hoje e atribui isto a mim.
Noto, na sala de espera, papeis de balas pelo chão e sobre a cadeira em que a paciente estivera sentada antes da sessão.

Sessão D:
Entra rindo e diz: - "Hoje trouxe o seu dinheiro". E após entregá-lo: "É isto, não é? Deve estar certo..."
Conto e noto que me deu quatrocentos cruzeiros a mais. Devolvo-os.

- "Menos mal... Já sei, o Sr. ficou com medo que eu morresse por isto me devolveu os quatrocentos. Puxa, que besteira... Não pode ser minha".
- Deste demais para receberes algo de volta, o que te consola da perda sofrida. Assim o mal foi menor; mas ao mesmo tempo achas que eu fiz uma besteira ao devolvê-los.
- "O Sr. é um mistério ... "
Conta que pensou, ainda no ônibus, trocar de empregada e que sabe que eu vou achar que ela quer trocar é de analista. Só não a despachou pelo medo que tem de adoecer e ficar sozinha. "Garanto que a empregada ia pensar que foi castigo. Mas fiz ela lavar tudo, até os vidros, mesmo com chuva, só para mostrar para ela que eu é que mando e que tem que ser como eu quero. Ela ficou muda, e fez tudo; depois é que eu vi que eu é que estava braba e não ela.
- Mostro-lhe que se comporta, aqui comigo, como lá com a empregada: me quer mudo, dócil e submisso; quer pagar quando e como achar melhor e que isto é acompanhado de muita raiva. Como põe em mim a sua raiva me vê exigente e hostil com ela. E que só não me manda embora pelo medo de que eu me vingue, deixando-a doente.
- "Hoje eu lhe culpei por não estar mais lecionando os filhos da Nair. Acho que ela pagaria, sim.
O meu guri quando me viu com todo este dinheiro me pediu umas pilhas para o autinho dele e eu disse que todo o dinheiro era para o Sr. É o Sr. tem razão, eu sinto mesmo o pagamento como se o Sr. me tirasse ... “
Permanece em silêncio e depois diz: - Estou sem assunto, vazia... completamente sem assunto..." E torna a ficar em silêncio.
- Dizes que eu te esvaziei te deixando sem nada e também que, antes, a tua conversa tinha a finalidade de ires me levando... Me levavas na conversa...
- "O Sr. pensa que eu acho o dinheiro tão importante assim?". "Então quero dominá-lo, agora pelo silêncio? Garanto que já está certo disto... É, e eu também já estou achando... então como é que se explica que eu não tenha mais assunto hoje?... Penso em coisas diversas, tudo espalhado..."
Conta que viu uma moça na rua e um homem que passava disse-lhe que coisa louca! Depois, que um aluno lhe pediu para fumar na aula e ela disse: "Pode, mas só um, se não vai atrapalhar a aula".
"O Sr. reparou que eu digo tudo aos pedaços, que não termino os assuntos?... Porque o Sr. não diz que já viu assuntos de boca, etc...
"Acho que a minha empregada quer competir comigo: compara o
arroz dela com o meu, se elogia..."
"Que maravilhas de assunto, o Sr. deve adorar isto... Escolheu esta profissão..."
"- Estás me dizendo que o teu silêncio, tua falta de assunto e agora esta maneira de falar, aos pedaços, fazem parte da tua competição comigo.
- "O Sr. sabe que quando eu peguei o dinheiro para lhe trazer cheguei a fazer o gesto de rasgá-lo!?"-
"Agora ia falar mais e esqueci..."
- A tua raiva vai rasgando os assuntos antes de dá-los,como quiseste rasgar o dinheiro.
- "Pensei que lá fora eu não me sentiria assim indiferente, vai ver é para que não me afete a raiva que eu acho que o Sr. tem de mim".
"Porque a janela está quase fechada e a luz acesa? Jamais vou entendê-lo. É que o Sr. teme a realidade, faz noite do dia, se esconde, se refugia. Ou quem sabe acha que assim fica aconchegante como se fosse no ventre materno! Sabe duma coisa: O Sr. devia, de vez em quando, ir ver o seu analista."
- Primeiro pões em mim a tua raiva, depois te fechas comigo, trocas de lugar passando a me analisar, tentas com isto melhor te protegeres do que puseste em mim. Mas também achas que isto precisa ser analisado.
Passa a criticar uma colega que não gosta de trabalhar, mas diz que sabe que eu vou dizer que é com ela. Diz que sua filha justifica esta pessoa e diz que decerto ela não quer trabalhar porque a mãe quer obrigá-la.
- A menina que está dentro de ti está irritada comigo, tua mãe, porque se sente obrigada por mim a trabalhar para pagar a análise.
"Não sei mais o que dizer, agora... Até parece que eu disse alguma coisa que não queria ter dito.
- Trouxeste, também o dinheiro que não querias me dar.
- "E, eu acho que foi..."
"Pensei na mãe duma aluna que vive criticando todo o mundo. Outro dia criticou o Dr. L. (psiquiatra que a tratou, antes de mim) e eu o defendi. Elogiou tanto esse filme, A Doce Vida, que afinal eu gostei quando vi, que depois de ouvi-la fiquei gostando menos. Eu não disse tudo que eu pensava dela porque não temos intimidade e ela acha os que não concordam com ela uns burros... Pronto, já vai o Sr. achar que é com o Sr.".
- Dizes que estás dividida em relação a mim: me criticas e me defendes. Se me vês como queres que eu seja, me aceitas, caso contrário me achas um burro, o que não me dizes porque não tens intimidade comigo.
Como estás com muita raiva de mim, tua mãe, por teres me pago o que vês como uma submissão estás com medo que tua hostilidade posta em mim, te ataque.
- "É, mas ela não aceitou os meus argumentos, se justifica com coisas metafísicas, místicas, sei lá... Quer sempre ter razão, acha que eu é que não compreendo".
"E isto, por acaso é com o Sr.?"
- Dizes que há uma parte tua que não aceita o que eu te digo, como não aceitou o teres me pago. E que os motivos são metafísicos, místicos, isto é, afetivos. Já que queres é me dominar me controlar, através do dinheiro, vês o pagar como eu te dominando e te controlando.
- "Senti uma dor aqui - aponta o hipocôndrio direito -. Será que foi pelo que o Sr. disse?. - O que eu te digo e te atinge te dói.

COMENTÁRIOS

Úrsula veio à análise procurar alívio das idéias obsessivas, bem como das ansiedades de que sofria. Mas, como vimos, não, apresentava ela somente uma neurose obsessiva - sua história, bem como sua conduta na análise mostraram-nos que existiam marcados componentes caracterológicos em sua personalidade e que estes eram predominantemente orais. A voracidade, a inveja, o desejo de ser cuidada, a impaciência, a exigência agressiva - são exatamente os traços apontados por Abraham (1) ao tratar da influência do erotismo oral na formação do caráter e configuram o que ele denomina "caráter oral".

Mas é sem dúvida a Melanie Klein (8, 9 e 10) que devemos a elucidação dos aspectos orais acima referidos, através de suas investigações sobre a origem e o significado dos mesmos e, de um modo geral, dos impulsos agressivos vinculados à oralidade, bem como às demais etapas primitivas do desenvolvimento instintivo e das relações de objeto. Suas investigações, atingindo a vida do lactente, levaram-na a configurar o que ela chamou de posições esquizo-paranóide e depressiva. No caso de Úrsula podemos ver com clareza como os mecanismos de defesa por ela apresentados correspondem aos que Melanie Klein mencionou como peculiares à posição esquizo-paranóide - a dissociação, a identificação projetiva, a negação, a onipotência e o controle dos objetos. Também a Melanie Klein devemos a indicação de normas técnicas para a análise das situações clínicas como a de nossa paciente, normas que consistem, em síntese, na análise perseverante, na transferência, dos mecanismos de defesa assim como dos conteúdos profundos das reações de voracidade, inveja, ciúmes, etc. No presente caso vemos ainda que esses mecanismos esquizo-paranóides mostravam-se entremeados com defesas consideradas de nível neurótico, em especial as técnicas obsessivas.

A atuação na transferência, por nós examinada, servia à paciente não só como defesa ante as ansiedades despertadas por seus impulsos agressivos, como era também uma realização destes impulsos.

Tanto Fenichel (2) como Greenacre (7) estão concordes em atribuir as origens do "acting-out" as dificuldades na etapa oral, tendo o segundo autor estabelecido relação entre a atuação e a transição entre o período pré-verbal e o verbal. A estes enfoques se poderia agregar que na atuação podem estar presentes também mecanismos da etapa anal, especialmente obsessivos, - como se viu no caso de Úrsula - o que se explica pelo fato de que nessa etapa, correspondendo à educação esfincteriana e a um maior desenvolvimento motor, aumente a capacidade de "atuar" da criança, já agora em plano real e não mais, como antes, no terreno quase que exclusivo da fantasia.

A análise dos conteúdos da atuação mostra que partes do Ego da paciente, carregadas de inveja e voracidade, projetadas em mim faziam com que me visse a atacá-la com seus próprios impulsos. Também projetava em mim o objeto a quem se dirigiam àqueles impulsos primitivos, sua mãe, com quem, por outro lado, estava identificada*

Sabotando e invalidando os pagamentos, através de atos e atitudes em que apareciam a marca das defesas obsessivas, tais como a e certo tipo de controle, a paciente, num plano mais primitivo, estava negando que me tivesse pagado. Mas então o medo do revide aparecia e, através dos oferecimentos de importâncias cada vez maiores, tentava apaziguar-me, não sem tomar o cuidado de ficar, "mesmo que fosse com dez centavos" - como ela dizia - ou então pagar demais para receber dinheiro de volta (nova anulação e negação) a fim de evitar o que sentia como ameaça de morte por esvaziamento. Ficam claras, mais uma vez, nessas defesas, os aspectos da voracidade e da inveja.

O excesso da utilização do mecanismo de identificação projetiva levava a paciente a momentos de confusão, como por exemplo, na sessão C, quando diz: "Agora já não sei mais se isto e coisa minha ou sua..."

Procuramos interpretar a atuação da paciente em todos os detalhes, desde sua preparação até a execução, tentando atingir a todos os recursos de que se valia, tais como: não pedir o dinheiro ao marido, não trazê-lo quando o recebia, trazê-lo e não entregá-lo a mim, não tomar alunos, obstaculizar a aceitação dos mesmos, aceitar alunos que sabia, com certeza, que não iriam pagá-la, trazer o dinheiro parcelado, pagar sistematicamente com atraso, gastar o dinheiro, dias ou mesmo minutos antes de chegar à sessão em que iria efetuar o pagamento, etc. A interpretação sistemática da atuação foi acompanhada de nossa atitude de não mais aceitar o dinheiro em parcelas, o que, se por um lado a irritou, fez com que a paciente não mais nos visse cúmplice de sua parte agressora e confundido com a mesma, através da identificação projetiva,como que aceita por nós. Também voltamos a tratar do contrato analítico referente aos pagamentos, marcando o dia em que deveriam ser feitos.

Na medida em que a paciente via e aceitava como sua a parte voraz e invejosa, que dissociava e por inúmeros meios tentava expelir de si, e que a examinava em suas múltiplas formas e conexões, as defesas iam enfraquecendo pela diminuição da dissociação. A atuação a esta altura praticamente cessou, voltando meses mais tarde, em ocasião que seus ciúmes haviam aparecido com grande intensidade.

Os ciúmes, que são sentimentos baseados na inveja, (13) surgiram na análise e tiveram ocasião de ser examinados no plano transferencial, quando teve inicio o tratamento de um paciente que passou a ocupar o horário seguinte ao de Úrsula. Na primeira sessão que se seguiu ao seu encontro com o novo cliente, Úrsula queixou-se amargamente do marido, de sua frieza, sua indiferença e, com raiva, chama-o de homossexual porque, durante as relações que haviam tido dias antes, ele não ejaculara. Destas queixas Úrsula passou aos ciúmes que sentia dele, não com as mulheres, mas com os amigos, os quais, segundo ela, o monopolizavam.

Estes conteúdos foram tratados, pela interpretação, na situação transferencial. Após tentativas de negação, passou a revelar os intensos ciúmes que sentia do novo cliente, o "gordo" como ela o denominara. Via-o como o meu preferido, o meu querido, e isto deixava-a tão irritada que na ânsia de me insultar disse que eu devia ser homossexual, (a mesma acusação que fizera ao marido), pois preferia um homem a ela. A análise revelou-nos que os ciúmes apareciam em relação aos homens porque eu, bem como seu marido, era visto como a sua mãe, seu primitivo objeto de amor, o qual teve que repartir com homens. Seus desejos de morte - expressos através de fantasias carregadas de ódio, em relação ao "gordo", quando imaginava encontrá-lo ao sair do consultório, caído no poço do elevador todo quebrado, ensangüentado e morto - eram acompanhados de fantasias em que se via como a única, a predileta junto a mim, sua mãe, como já o fora nos primeiros anos de vida, após o desaparecimento do pai e como, mais tarde, tornou a ser após a morte do padrasto. Os impulsos homossexuais também eram projetados no marido e em mim, pela angústia que lhe causavam. A atitude hostil e a negação de qualquer afeto em relação à mãe, protegiam-na destes impulsos tão mal suportados; tais impulsos tiveram, por ocasião do exame dos ciúmes, oportunidade de ser examinados e interpretados. As idéias obsessivas de castigo, por meio de doenças, ressurgiram com maior intensidade, bem como a atuação voltou a aparecer: atrasou o pagamento naquele fim de mês.

Com maior clareza foi visto como o atraso dos pagamentos, isto é, a atuação, tinha o sentido de me dominar, me vencer, e na disputa com o rival, afastá-lo de mim, mamar no seu lugar, através do dinheiro. Note-se que as queixas começaram porque o marido não ejaculara.

Após alguns meses, durante os quais o "gordo" se afastara do tratamento, seus temores de havê-lo morto se tornaram muito intensos, e quando ele voltou, trazendo o braço numa tipóia, entrou em pânico, pois em sua onipotência atribuiu o presumível acidente aos seus desejos agressivos. Durante o exame desta situação voltou a atuar.

Temia que eu, sua mãe, conhecendo toda a sua hostilidade, passasse a revidar o ataque, pois o "gordo" também era o filho que temeu que sua mãe tivesse e que matara em sua fantasia e agora voltava para vingar-se (Recordem-se as fantasias de morte do "gordo" no poço do elevador). Insistia para que ou a julgasse, condenando-a ou absolvendo-a, projetando em mim o julgamento que fazia de si mesma e através do qual se condenava.

Notávamos então, mais uma vez, que o aparecimento da atuação estava relacionado com sua hostilidade expressa pela voracidade, inveja, ciúmes e atitude competitiva. E mais, que a perseverança no examinar estes aspectos diminuindo a dissociação, possibilitando que a paciente integrasse como seus os impulsos agressivos, lhe trazia alívio, o qual se manifestava através do reconhecimento de sua culpa, o que nunca antes havia admitido, seguindo-se a isso diversas tentativas de reparação.

Com a diminuição da dissociação os outros mecanismos de defesas esquizo-paranóides, tais como: a identificação projetiva, a negação, a onipotência e o controle dos objetos, também diminuíram, pois não só passou a usá-los menos freqüentemente como pode criticar o seu uso. Do mesmo modo as defesas obsessivas, vinculadas àqueles mecanismos se atenuaram. Após quatro anos de tratamento a paciente já se acha mais integrada. Diminuindo sua dissociação, conseguiu mobilizar boa parte de suas energias, antes comprometidas na manutenção dos mecanismos de defesa, utilizando-as em fins mais úteis.  Pode agora levar uma vida, tanto no meio familiar como profissional, bem mais adaptada: hoje já fala com a mãe sem que a conversa termine, como sempre terminava, numa briga em que a insultava e a ameaçava, inclusive de morte; beija-a, o que não conseguia fazer desde a meninice, pela angústia que isto lhe causava; também, a título de auxílio, vem dando a mãe uma pequena mesada. As relações com o esposo são bem mais satisfatórias e inclusive já experimenta orgasmo, de há uns dois anos para cá. Trata os filhos com mais equilíbrio e suas atividades didáticas prosseguem, lecionando atualmente em casa e numa escola.

Não obstante as melhoras apresentadas, a paciente continua em tratamento, pois há ainda muita coisa a fazer para elaborar seus conflitos e possibilitar-lhe maior capacidade para amar e reparar seus objetos.

BIBLIOGRAFIA:

1 ABRAHAM, K. (1924). Selected papers on Psycho-analysis. London: Hogart, 1949. Cap: The influence of oral erotism on character formation, p. 393.

2 FENICHEL, O. (1945). The Colected Papers. New York: W. W. Norton, 1954. Cap. 22: Neurotic "Acting-out", p. 296.

3 FREUD, S. (1905). Analisis Fragmentario de una Histeria. SEE. Buenos Aires, 1943, p. 9. v. 15

4 ____. 1915. Observaciones sobre el "Amor de Transferencia. SEE. Buenos Aires: Edit. Amer., 1943, p. 191. v. 14.

5 ____. (1914). Recuerdo, repeticion y Elaboracion. SEE, Buenos Aires: Edit. Amer., 1943, p. 179. v. 14.

6 ____. (1901). Torpezaz y actos de termino erroneo; Actos sintomaticos y casuales, psicopatologia de la vida cotidiana. SEE. Buenos Aires: Edit. Americ, 1943, p. 199; 235.

7 GREENACRE, P. (1950). Problemas generales del "Acting-Out" Truma, desarrollo y personalidad.  Buenos Aires: Hormé, 1960.

8 KLEIN, M. (1957). Envy and Gratitud. London: Tavistock, 1957.

9 ____. (1958). Nuestro mundo adulto y sus raices en la infância. Revista de Psicoanalisis, v. 18, p. 1-16, 1961.

10 ____. (1952). Some theorectical conclusions regarding the emotional life of the infant. In: Developments in Psychic-analysis. London: Hogart, 1952.

11 MARTINS, C. (1956). Avidez y repeticion. Revista de Psicoanalisis, v. 12, p. 136-151, 1956.

12 OLIVEIRA, W. I. (1955). Acting-out y la situacion analítica. Revista de Psicoanalisis, v. 12, p. 500- 510, 1955.

13 ROSENFELD, H. (1955). Na investigation of need of neurotic & psychotic patients to act during analisis. In: KLEIN, Melanie. Envy and Gratitud.

14 SAN LEO, G.A.Di. (1954). Reaciones transferenciales a los honorarios. Revista de Psicoanalisis, v. 12, p. 41-68, 1955.