Melanie Klein

Dr.Ivan Sergio Cunha Fetter.

Psic. Angela Minarski Plass.

Sérgio Paulo Annes -- Traços Biográficos de Melanie Klein

Set.2001 (Roud.430 e P. Grosskurth).
Na apresentação desta Mesa Redonda sobre Melanie Klein fiquei encarregado de trazer alguns dados biográficos de Melanie, que só podem ser um resumidíssimo relato sobre a vida da autora. Sua biógrafa maior, Phyllis Grosskurth dedica-lhe por volta de quinhentas páginas e confessa que o tema fica em aberto. A minha situação, ao tentar resumir estes dados em poucos minutos, como podem calcular, deixará a desejar e muito.

Penso que, para que se entenda uma obra, é básico que se conheça, na medida do possível, a vida do autor.
No prólogo de seu trabalho, a biógrafa de Melanie, a já citada Phyllis Grosskurth, -- "Melanie Klein, Seu Mundo e Sua Obra", datado de 1986-- deixa clara sua frustração por encontrar "um completo silêncio a propósito de alguns episódios e algumas relações da biografada", sem esclarecer, no entanto a que "episódios e relações" se refere. Por outro lado, mostra-se grata, em especial a Hanna Segal e a Erich Klein, agora já Eric Clyne, pela ajuda que lhe deram na elaboração de seu livro. Outras pessoas também são citadas, ora como colaboradoras ora como criando obstáculo ao seu trabalho.

Nasceu Melanie em Viena, Austria, em 30 de março de 1882.
Filha de Moriz Reizes, polonês e Libussa Deutsch, de nacionalidade eslovaca que haviam se casado a 19 de janeiro de 1875.
Entre quatro irmãos, Melanie foi a última e segundo sua biógrafa, não foi uma filha desejada. O casal já estaria sem disposição de ter mais filhos, é o que se depreende.

A primeira filha de Libussa e Moriz,  Emilie, nascida em 1876, era a preferida do pai. O segundo,  Emanuel, nascido um ano após (1877), era considerado "quase um gênio", no seio da família. Sidonie, a terceira nasceu logo a seguir, um ano após (1878). Era o centro das atenções da família e considerada a mais bonita das irmãs. Quando Melanie tinha quatro anos, sua irmã Sidonie que tinha oito, veio a morrer de "escrófula" (tuberculose linfática).

Aos 18 anos (6 de abril de 1900), Melanie perdeu o pai que vinha doente já há anos. Seu pai, influenciado pelo movimento judeu Haskalah de emancipação, que tinha forte oposição do rabinato ortodoxo Hassidim, da Galitzia, contrariando seus piedosos pais, em especial a mãe, deixa os estudo do Talmud para ser médico.

Sua mãe rezava para que ele fosse reprovado e não ingressasse na Faculdade de Medicina. Como as preces da mãe não foram atendidas, Moriz Reizes veio a ser um dedicado e eficiente médico.

Reizes era um médico retraído, erudito e inepto para os negócios. E antes de casar com Libussa, fora casado, por pouco tempo.

Em 1875 os pais de Melanie se casam. Sua mãe, Libussa, 24 anos mais nova que o marido, era filha de um rabino e seu nome lhe foi dado em homenagem ao fundador mítico de Praga que no século XIX se converteu em símbolo da identidade nacional Tcheca.

Dois anos após (02.12.1902), falece de tuberculose seu único irmão Emanuel, ao qual era muito ligada. Este irmão deixou a medicina para se dedicar às artes e literatura, drogadito e sempre em conflito com o pai.

Como se vê, Melanie teve significativas perdas nos primeiros anos de vida. Grosskurth nos diz que Melanie era uma depressiva crônica.

Quatro meses após a perda do querido irmão (31.03.1901), Melanie casa-se com Arthur Klein, um engenheiro que conhecera em 1901. Seu casamento, classificado de precipitado, foi pontuado de desentendimentos. De várias maneiras, Libussa transmitia ao resto da família o desprezo que sentia pelo marido. Havia na família uma simbiótica união entre a mãe Libussa e os filhos Emanuel e Melanie. Eram freqüentes as interferências da intrusiva Libussa que continuaram junto a Melanie mesmo após seu casamento com Arthur. Teve Melanie três filhos: Melita Klein, nascida em 19 de janeiro de 1904, (faleceu em 1983) com quem, segundo sua biógrafa, Melanie repetiu o comportamento que Libussa tivera com ela. Melita casou-se com Walter Schmideberg. Com esta filha teve inúmeros desentendimentos que, inclusive se tornaram públicos. Melita, que fora analisada pela mãe, na infância, em Berlim foi analisada por Max Eitingon, Karen Horney e Hans Sachs. Tornou-se, como a mãe, psicanalista. Quando foi para Londres, analisou-se com Glover que era ferrenho opositor de Melanie. Pode-se perguntar se Glover estaria influenciado pela filha em sua animosidade contra a mãe por acreditar e se deixar envolver pelo que Melita dizia de Melanie ou, quem sabe, até alimentasse a contenda entre mãe e filha já que detestava a mãe de sua paciente. O segundo filho foi Hans Klein (02.03.1907–04.1934) que morreu jovem, em uma escalada nos Alpes. Esta morte era usada por Melita para acusar a mãe, dizendo que o irmão havia se suicidado e que a mãe era a responsável.  O terceiro filho de Melanie e Arthur foi Erich Klein nascido em 01.07.1914 e que mais tarde mudou a grafia de seu nome para Eric Klyne. Este filho muito auxiliou a biógrafa de sua mãe em suas pesquisas quando da elaboração de sua biografia.

Roudinesco chama Melita de "a filha trágica da psicanálise" . Diz mais, Roudinesco: "Melita, em depoimento pleno de verdade, redigido em 1971, contou em plena BPS transformada em campo de batalha", como fora objeto do ódio de sua mãe, que ela também odiara. As divergências "científicas" entre mãe e filha indicam uma transferência para o plano científico de suas contendas familiares: Melanie enfatizava a agressão infantil e Melita a influencia do mundo externo. Como que num "jogo de empurra" em assumir a responsabilidade da neurose.

Morre sua mãe Libussa (06.11.1914). Neste mesmo ano , em Budapeste, Melanie inicia sua análise com Ferenczi. Libussa na descrição de Grosskurth era "uma mulher tirânica, possessiva e destruidora". Também afirma que na família de Libussa havia um esquema de matriarcado. As mulheres eram valorizadas em detrimento dos homens. Chama mesmo a atenção que no meio onde Melanie atuava era marcante a presença de mulheres. Entre seus discípulos e partidários as mulheres como Johan Riviere, Hanna Segal, Suzan Isaacs e Paula Heimann sobressaem.

Em 1922 Melanie e Arthur se separam, voltando a reatar o casamento no ano seguinte para voltar a se separar, agora definitivamente em 1924.

Em julho de 1918 Melanie torna-se membro da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, sendo seu trabalho publicado no ano seguinte, na Internationale Zeitschrift fur Psychoanalyse sob o título: "Der Familienroman in status nascendi". Diz Grosskurth que o paciente foi o filho de Melanie: Erich. Em 1922 ingressa na Deutsch Psychoanalytische Gessellschaft (DPG).

Melanie é aceita no Grupo de Karl Abraham em Berlim em 1921 e inicia sua segunda análise, agora com seu mestre Abraham em 1924. Esta análise durou 14 meses pois seu analista morreu após uma doença que durou de maio a 25 de dezembro de 1925.

Este ano de 1924 foi um ano marcante na vida de Melanie. Como se disse  acima, inicia sua segunda análise. Sua filha Melita se casa com Walter Schmiedeberg. Melanie apresenta seu primeiro trabalho em um Congresso, que tem como título: "A Técnica da Análise de Crianças" e expõe ante a Sociedade de Viena seu trabalho: "Princípios Psicológicos da Análise Infantil" . Neste mesmo ano, se separa definitivamente de Arthur Klein, efetivando seu divórcio dois anos após. A técnica usada por Melanie, na análise de crianças começa a cindir a SBP dando início às chamadas "Grandes Controvérsias".

No ano seguinte, 1925, Melanie ministra, na Sociedade Britânica, um curso sobre Análise de Crianças. Em 1932 sua filha e genro vêm para a Inglaterra e Melita é eleita membro efetivo da Sociedade Psicanalítica Britânica.

É interessante que se diga que Melanie analisou seus três filhos. Isto nos leva a crer que não confiava em mais ninguém ou temia que outros soubessem de suas mazelas familiares.

Em 1937, com Joan Riviere, publica: "Amor, Ódio e Reparação".
Em 6 de junho de 1938 Freud chega a Londres fugindo de Viena, dos nazistas, já muito doente, vindo a morrer no ano seguinte, a 23 de setembro.

Em 1948 Klein publica "Contribuições à Psicanálise" e já há três anos sua filha tinha ido para os Estados Unidos.
Em 1952 é publicado: "Desenvolvimentos em Psicanálise" e um número especial do International Journal of Psycho-Analysis é dedicado aos setenta anos de Melanie.

Em fevereiro de 1955 é fundada a Associação Melanie Klein da qual Paula Heimann se retira em novembro do mesmo ano, rompendo com Melanie.
Neste mesmo ano se publica: "Novos Rumos em Psicanálise".

Em 1955, no Congresso da IPA, em Genebra, apresenta um estudo sobre "Inveja e Gratidão" que desencadeia uma nova controvérsia que embora não tenha atingido o grau das precedentes, a levou a romper com Winnicott e com Paula Heimann.

Em 22 de setembro de 1960, sem que tenha se reconciliado com Melita, morre Melanie de um cancer no cólon, em Londres.

Numa terceira versão, agora apresentada na Imago, conta-nos Roudinesco, a análise que fez de seu filho Erich que contava, na ocasião, cinco anos. é apresentada com esta introdução: "A criança de que se trata, é um menino cujos pais, que são de minha família, habitam na minha vizinhança imediata. Isso me permitiu encontrar-me muitas vezes, e sem nenhuma restrição, com a criança. Alem do mais, como a mãe segue todas as minhas recomendações, posso exercer uma grande influência sobre a educação de seu filho."

É de se perguntar se a troca da grafia de seu nome: Erich para Eric e de Klein para Clyne, não representaria uma atitude com o sentido de se livrar dessa "mãe Libussa" da qual Melanie era uma nova edição.

Roudinesco diz que Melanie repetiu com Melita o comportamento que Libussa tivera com ela. E, poderíamos dizer, comportamento que teve com todos os seus filhos e porque não dizer, com seus discípulos.

A partir de 1953 Melanie tentou escrever uma autobiografia. Até o ano anterior a sua morte, escreveu o que Grosskurth classifica como: "cautelosa, repetitiva, ingênua e evasiva".

Muitas foram as críticas à sua obra e a ela mesma como pessoa quando de sua atuação na Sociedade Britânica.
James Strachey dizia: "me dão lástima as pobres crianças

que caem em suas garras". Ernest Jones, por outro lado, segundo o mesmo Strachey, "está de corpo e alma inclinado a favor de Melanie, a mais não poder..." Melanie analisou os dois filhos e a esposa de Ernest Jones.

O fato, é que a Sociedade Britânica sofreu uma cisão. Os pró e os contra Melanie. Entre os últimos a figura que sobressaia era a da filha do criador da psicanálise, Anna Freud, que defendia a psicanálise infantil como uma forma nova e aperfeiçoada de pedagogia. Enquanto Melanie preconizava a análise infantil como parte integrante da educação de toda a criança, Anna Freud achava que só quando a neurose se manifesta é indicada a análise de uma criança. Diz Roudinesco que "Melanie, com sua personalidade invasiva, provocou à sua volta paixões e repulsas".

Nesta situação de beligerância aberta que criou dois grupos, o dos Kleinianos e o dos seus opositores, que apoiavam Anna Freud e ultrapassou os limites de uma divergência científica, formou-se um terceiro grupo, "the middle group" que tentava, sem êxito, harmonizar os contendores e procurava se manter fora da contenda.

As idéias de Melanie quanto á compreensão e conseqüente orientação do tratamento foram difundidas, principalmente na Sociedade Britânica e nas Sociedades da América Latina. Na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte não tiveram aceitação.

Lembro que o catedrático de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, nos fins da década de quarenta, analisado em Londres nos inícios de cinqüenta, Professor Décio Soares de Souza, me dizia que no grupo em que fez sua formação, com uma discípula de Melanie, não se estudava a obra de Freud, mas tão somente a obra de Melanie. Isto nos dá uma idéia da radicalização que atingiu a Sociedade Britânica na ocasião. Interessante é que Melanie em seus trabalhos, cita nas bibliografias, repetidamente, o criador da psicanálise.

Em que pesem as dificuldades que Melanie teve desde o início da vida, quer no seio de sua família primitiva, quer no seu casamento e com seus filhos, e mesmo com seus colegas, foi uma mulher que muito produziu, e proporcionou avanços incontestáveis no terreno da psicanálise.

Sérgio Paulo Annes
03.10.2001

ENTUSIASTAS COLABORADORES DE MELANIE KLEIN

Ernest Jones: (1879-1958) 79 a. (Roud. 415).

Nascido em Rhosfelyn, posteriormente denominada Gowertown, no Pais de Gales.
Médico. Rotulado como "indivíduo problemático", autoritário e incapaz de admitir que podia errar. Personalidade difícil pela linguagem crua. Complicações em sua vida amorosa. Injusto com Otto Rank e Wilhelm Reich, intratavel com a "esquerda freudiana" e com os homosexuais e "bastante invejoso" de seu analísta, Sandor Ferenczi. (Roud.)
1906: Jung no Hosp.Burghölzli dirigido por Eugen Bleuler.
1907: Vai para Toronto (Canada) com sua companheira Loe Kann após ser acusado "de ter falado de maneira indecente com duas crianças pequenas" e em conseqüência ter sido preso. Cria a American Psychoanalytic Association.
1908: Freud no Congr. de Salzburgo.
1912: Volta para Londres
1913: Faz uma "análise didática de dois meses" com Ferenczi em Budapeste, a conselho de Freud.
Freud aceita tratar Loe Kann, companheira de Jones que estava adicta á morfina.
1914: Freud assiste o casamento de Loe com Herbert Jones (Jones 2) nada comunicando a Ernest Jones (Jones 1).
1915: Anna Freud (aos 18a.) vai a Londres e é assediada por Jones . Interferência de Freud ("não tenho nenhuma intenção de te dar a liberdade de escolha de que gozaram tuas irmãs" Diz-lhe que Jones não seria um bom marido para ela.
1916: Jones se casa com Morfydd Owen que morre de apendicite dois anos após.
1919: Jones se casa com Katheterine Jolk com quem teve quatro filhos. Katherine e seus filhos Gwenith e Meryyn foram analisados por Melanie Klein.
1926: Ajuda Melanie a se instalar definitivamente em Londres. Com isso irritou profundamente Freud e Anna.
1949: Inicia a biografia de Freud, fundando a historiografia freudiana.
1958 (11.fev.) morre em Londres.

Hanna Segal:

Analisada por Melanie Klein.
1947: Psicanalista pela BSP.
Supervisão de análise de criança com Melanie de quem foi discípula e colega.
Supervisões com Paula Heimann e com Joan Rivière.
Também partidária de Melanie durante os anos da "Grande Controvérsia".
Vários trabalhos sempre seguindo as idéias de Melanie.
Joan Rivière (née Verrall) (1883-1962) 79a: (Roud. 663)
"Beleza melancólica e vitoriana". Sofria de cefaléia e insônia e não cessava de se desvalorizar . Dizia Freud: "não suporta elogios, não aceita falhas, protestos ou rejeição".
Fez uma análise com Ernest Jones e teve uma ligação com ele. O tratamento se desenvolveu em uma atmosfera difícil.
1919: Participou da fundação da British Psychoanalytical Society.
Sua análise ocorreu ao mesmo tempo que a de Anna Freud, com o próprio pai. Tentou convencer Freud do valor das posições Kleinianas. Este recusou-se a escuta-las e permaneceu ao lado da filha, mas não tomou partido publicamente no debate.
1929: Artigo, em parte autobiográfico : "A feminilidade como Mascara" . Partidária de Melanie manteve sua reserva e nunca cedeu á idolatria.

Paula Heiman (1899-1982) 83 a. (Roud. 328):

Nascida em Dantzig de pais russos.
1932: Tratou-se com Theodor Reik em Berlim na Deutsch Psychoanalitische Gesselschaft (DPG).
1933 Obrigada a emigrar. Convidada a viver em Londres por Ernest Jones integrou-se na BPS.
Ligou-se a Melanie Klein de quem tornou-se confidente após a morte de seu filho mais velho (dela ou de Melanie ?) tornando-se "sua filha adotiva" . Analisou-se com Melanie e foi uma discípula assídua, dando-lhe todo o apoio na época das "Grandes Controvérsias"
Escreveu muitos trabalhos sobre contra-tranferência, identificação projetiva e relações de objeto.
1949: Entrou em conflito com Melanie quando "sentiu-se tratada como escrava". Foi rejeitada implacavelmente pelos Kleinianos, entrando para o "Grupo dos Independentes" (Middel Group).

Suzan Isaacs (née Fairhurst): (1885-1948) (Roud.399)

Nascida em Lancashire. Ensinou Lógica, Pedagogia e Psicologia antes de se tornar analista.
1921: Integra-se á BPS após ter se analisado com Otto Rank e posteriormente com John Carl Flugel e Joan Rivière. Discípula de Melanie e muito próxima de D. W.Winnicott
1924: até 1927 Diretora da Malting House School de Cambridge, escola experiemental para crianças até sete anos. Esta escola foi objeto de escândalo permanente até seu fechamento, pelos métodos Kleinianos adotados, sendo chamada pelos opositores de "bordel pré-genital" . "A escola favorecia a expressão aberta dos interesses sexuais precoces, com a condição que fossem canalizados sob os olhos vigilantes da ciência".
Foi Membro do Instituto Real de Antropologia e também Diretora do Departamento do Desenvolvimento da Criança na Universidade de Londres.
Criou a grafia "phantasy" para designar a fantasia inconsciente para distinguir de "fantasy", que significa fantasia consciente. (Roud. 590)

Sérgio Paulo Annes
03.10.2001