Comentários sobre o Artigo "Leporello e Don Juan" de Barbara Saegesser Revista de Psicanálise da SPPA Vol. I N. I outubro de 1993 -pg 111. Barbara Saegesser, em seu trabalho "Attitude Psychanalytique et Séduction", publicado no Boletim da Swiss Psychoanalytical Society, utiliza "Leporello et Don Juan" de Mozart --libreto de Lorenzo da Ponte -- para ilustra-lo. Ela nos fala da atuação onde o (a) analista se envolve sexualmente com pacientes. A meu ver essa compreensão pode ser estendida a atuações de psicanalistas com familiares de pacientes, tais como cônjuges, filhos, mães, etc, aproveitando-se da situação do tratamento. B. Saegesser examina as motivações inconscientes que levam a esse tipo de atuação: "uma ferida onipotente, narcísica, negada, levando a uma crise de identidade. O analista não pode agir de outra maneira, isto é, não suporta deixar de seduzir, caso contrário se sentiria desvalorizado, impotente". A transgressão seria, para B. Saegesser uma tentativa de autocura, o que confirma a necessidade de tratamento para o terapeuta. B. Saegesser tem em seu trabalho uma atitude voltada para a compreensão e explicação do fenômeno. A analogia que me ocorre frente a situação citada é a do "cachorro-ovelheiro" tão conhecido na região da campanha no Rio Grande do Sul. Certos cães são educados, treinados por seus donos, criadores de ovelhas, para conduzi-las do aprisco às pastagens e vice-versa e para protege-las dos riscos externos ou mesmo os que são criados pelas próprias ovelhas ao se exporem a perigos os mais variados. Os analistas são treinados para mostrar a seus pacientes suas pulsões internas que os levam, muitas vezes, e repetidamente, a agirem contra si próprios ou induzir outros a fazê-lo. Os pacientes, na medida que seu autoconhecimento progride, tornam-se mais aptos a se defenderem de seus impulsos autodestrutivos. O cão, encarregado de auxiliar os criadores de ovelhas servindo de guarda e protetor das mesmas, em um momento dado passa a agir enlouquecidamente (a atuar) matando-as e comendo-as. O terapeuta que age como Don Juan, mata o tratamento ao "comer" as (os) pacientes. As observações sobre o citado artigo, que o acompanham, feitas por Kaspar Weber, a meu ver o complementam: "uma pessoa tendo tão parcamente integrados os fundamentos essenciais de seu ‘metier’ e da teoria deste, não pode mais ser considerado como psicanalista". No caso do "cachorro-ovelheiro" ocorre que ele passa a ser considerado "ovelheiro", agora no mau sentido e não mais no de servidor e de cuidador. Tornou-se perigoso e não mais confiável. Amarram-lhe à coleira um "cambão", um pesado pedaço de madeira, a fim de dificultar-lhe a mobilidade e desenvoltura no acesso às presas indefesas. Kaspar Weber não deixa margem para que a compreensão e explicação de uma atuação deste porte possam funcionar como uma justificativa: "um colega que se permita ter relações sexuais com pacientes tem, certamente, direito à ajuda, enquanto paciente", isto é, necessita de tratamento. E complementa: "não se trata, no entanto ou só secundariamente, de uma questão de moral ou ética, mas sim dos fundamentos elementares de nosso ofício". As fantasias sexuais incestuosas infantis se repetem na transferência durante o tratamento. Se o (a) terapeuta em seu próprio tratamento não teve, suficientemente resolvidos seus conflitos narcísicos, vai, contra-transferencialmente, ao encontro dos próprios desejos incestuosos, realizando-os onipotentemente, como um chefe Inca ou um Faraó, com suas filhas e irmãs. O analista que atua como um Don Juan "ovelheiro" deve, a semelhança do cão, ser "amarrado a um cambão" que o impeça de exercer esta atividade, a fim de não mais por em risco seus pacientes, dos quais deveria ser um cuidador e não um predador. Deve voltar ao tratamento, agora como paciente. Sérgio Paulo Annes |